Mais um dia na minha vida.
Cada dia uma nova descoberta, e a cada descoberta uma surpresa. Recentemente fui para um clinica mental no japão para fazer uns testes porque anteriormente fui diagnosticado com TDAH no Brasil e precisava do diagnóstico aqui no Japão para continuar o meu tratamento.
Fiz todos os exames, um deles demorou quase 3 horas. Um mês depois eu voltei para pegar o resultado e quando eu cheguei eles me disseram que precisavam de mais alguns testes para chegar a uma conclusão e que só me dariam o resultado duas semanas depois. Fiquei triste porque a cada dia que vou até lá é uma manhã inteira de sábado que eu perco e minha esposa estava me acompanhando, senti que tinha feito ela perder tempo. Me senti muito desapontado. Então perguntei se não tinha algo que poderiam me adiantar e foi aí que veio a notícia. “Meus parabéns você faz parte de 2,5% da população. Seu Qi é acima do normal”. Talvez muitas pessoas talvez pulariam de alegria ou ficariam super felizes. Mas para mim foi algo do tipo… ah isso explica meus problemas e meu modo de agir diferente das pessoas. Poxa é por isso que eu me interesso por detalhes que as pessoas não se interessam muito, é por isso que quando eu explico ou comento algo, falo coisas que não interessam aos outros mas que para mim parecem importantes e interessantes. E a questão seguinte foi… “bom o que eu faço com meus problemas agora? Porque acho que me dariam remédio para o problema de TDAH mas não acho que me darão algo para os problemas que o Qi alto me causa. ” Fiquei meio que sem reação. Pois para quem não sabe, o Qi alto, quando não diagnosticado e compreendido, causa vários problemas de incompatibilidade de comportamento social para uma pessoa que quer se encaixar no padrão da sociedade e padrão de convivência familiar. Principalmente a convivência familiar, que são as pessoas que conviverão com você 24h por dia. Isso se dá devido ao modo de, principalmente, raciocinar e compreender as coisas de maneiras diferentes. O que causa, dentre eles, problemas na comunicação, modo de se expressar e até no entendimento do que te falam, pois em certos pontos o modo de processar diferente as coisas também traz, digamos, problemas de compreender coisas que parecem simples.
Conversei muito com a terapeuta e ela me explicou alguns pontos. Me explicou mais detalhadamente o porquê dos exames mas não me deu certeza de que iria receber algum remédio. Foi aí que confirmei que meu diagnóstico realmente poderia ter mudado. E isso me gerou uma certa angústia junto com um alívio, em pensar que acabo de encontrar um dado que muda o modo de trabalhar meus problemas, mas que também posso ter novas possibilidades.
É verdade que existem vários mecanismos para driblar os problemas. Mas viver em família e ter esses problemas deixam as coisas mais complicadas, mesmo nos momentos para trabalhar as soluções, devidos aos desgastes já acumulados.
Por isso sou da opinião que precisamos de um profissional nos acompanhando ainda mais para alguém que, como eu, achava que tinha problemas mentais e me achava um estranho entre as pessoas durante todo esse tempo. Meio que o meu mundo virou de ponta cabeça e só estou conseguindo montar o quebra cabeça da minha vida agora aos 41 um anos. Um exemplo. Eu nunca entendi porque eu odeio matemática mas gosto de resolver problemas, não gosto de números, mas gosto do raciocínio de como chegar às fórmulas. Resumindo, eu fujo das contas mas quero aprender a fórmula para resolver o problema. Para mim isso sempre foi controverso.
Mas depois que descobri que tenho esse anseio pelo novo, nato em mim, eu também me lembrei de um acontecimento que me fez não gostar de números e isso aconteceu quando eu era adolescente. Na verdade eu tive uma repulsa pela “lógica” por um trauma de infância. Bom, eu era pequeno e logo associei a lógica a números e comecei a não gostar de contas. Apesar de que sempre fui bem em todas as matérias. Os anos se passaram e detestava cada vez mais a lógica, números, mas agora sem perceber que isso estava me provocando um efeito colateral, que era ter preguiça de fazer contas. Aos poucos comecei a deixar de lado matérias que usassem a matemática. E a lógica que conhecia, eu também queria abandonar. Resumindo… os anos se passaram e tive de desenvolver métodos para resolver problemas matemáticos para passar no vestibular e também desenvolver um novo método de raciocínio pois não gostava da lógica. E acho que foi daí que nasceu o meu fascínio pelo ser humano. Pois descobri algo que foge um pouco da lógica. Reações que tem mais a ver com momento e sentimento do que a razão. Porém não consegui fugir do olhar em busca de padrões. Hoje posso arriscar dizer que eu apenas “achava” que tinha fugido da lógica. Mas ao tirar o foco do uso da lógica para soluções na área de exatas eu comecei a usar para entender as coisas na área de humanas. Nessa busca por padrões eu aprendi que existem muitas coisas que fogem aos padrões. De que a ciência exata é apenas uma convenção. Comecei a entender que o ser humano é mais complexo do que imaginava e que a sua mente não segue sempre padrões pré estabelecidos. De que a natureza segue a mesma linha. Sim, podemos enxergar os padrões superficiais que as coisas parecem seguir. Mas se olharmos de perto veremos nuances que nos levam a entender particularidades de cada ser. Nem toda mesma ação levará a uma reação pré determinada. As variáveis são tantas neste mundo que nem se pode dizer com certeza absoluta que a pedra que jogamos duas vezes de um prédio cairá no mesmo lugar. Nem o sistema solar, que determina as horas, dias e anos, tem uma órbita regular. Às vezes penso que esse é o tamanho da criatividade daquele que criou todas as coisas, uma originalidade sem fim. No entanto acho engraçado a busca do homem por uma padronização do mundo ao mesmo tempo que deseja que as coisas sejam exclusivas para si. O sapato que ninguém tem, a comida que ninguém pensou em fazer, o desenho original, a idéia que ninguém teve, a arte exclusiva. Bom, é fato que o homem precisa de uma certa padronização das coisas para se organizar. Pois é assim que ele aprendeu a se organizar, ė assim o padrão do mundo. Mas o que quero chamar a atenção aqui é que a padronização não é ruim, o perigo está nas pessoas que pegam a padronização como parâmetro de normalidade e começam a julgar as outras pessoas. E eu sou uma dessas pessoas que sofri muito com isso. E continuarei sofrendo porque mesmo tendo o resultado que me surpreendeu agora vejo também que a sociedade não está preparada para pessoas que são fora do padrão normal, tanto para pessoas com Qi baixo quanto para os que tem Qi alto.
Acho que a primeira coisa que passou pela minha cabeça quando me falaram do Qi foi. “Perdi o apoio aos deficientes…” pensei isso porque sei que meus problemas não vão embora só porque o papel me mostrou que tenho Qi alto. Porque os problemas continuam e eu continuo não me encaixando na sociedade só que agora ao invés de deficiente sou considerado um superdotado. Apenas títulos. É verdade que me dá novas perspectivas, mas são coisas que só vão mudar a longo prazo. Isso me faz ver que ainda tenho uma longa caminhada, porém cheio de esperança.
Bom a vida só para se a gente parar. Toda nova descoberta leva a novos caminhos e infinitas possibilidades. Por isso tenho de continuar a olhar para frente, mas não posso desprezar meu passado, pois se eu jogar fora tudo o que passei esses anos todos, estarei também desprezando o que sou hoje. Pois como eu disse antes, as variáveis na vida são muitas e, por isso, tudo que passei me tornou a pessoa que sou hoje, uma pessoa única. O meu passado se tornou uma chave importante para eu compreender quem sou hoje e tudo que contei aqui me ajudou a olhar para onde posso caminhar a partir de agora. Porém eu aprendi que viver no passado é diferente de aprender com o passado. E esse é um cuidado que tenho tido.
Isso tudo me fez entender que a chave para minha vida não está em resetar tudo e começar do zero, mas em reconhecer de que dentro da bagagem da vida que eu trago, também se encontram algumas chaves para abrir as portas das futuras possibilidades. Não devo viver no passado mas também não posso desprezá-lo. Pois sou o que sou hoje por causa de tudo que vivi e só reconhecendo e aceitando o meu passado é que poderei seguir entendendo quem sou hoje e quem eu poderei me tornar amanhã. Eu creio que cada um de nós tem um papel único, singular, para desempenhar nesta vida. Só que somos nós que escolhemos desenvolver esse papel ou não.
Abraços
Binho