Quando penso quando era criança me vem a lembrança de meus pais cuidando de mim. Penso hoje no quanto deve ter sido difícil lidar com um filho que pensava demais. Mas uma coisa que lembro bem, é que eles nunca foram pessoas que exigiram que eu fosse como as outras crianças, mas sempre me trataram com um certo respeito aos meus limites. E é sobre limites que gostaria de falar. Uma das coisas que eu me lembro é o fato de eu não me assustar facilmente. Eu tinha medo de fantasma como toda criança mas eu não me assustava com facilidade. No começo eu pensava que era coragem ou algo que eu tinha de a mais sobre as outras pessoas. Conforme eu cresci eu comecei a pensar que, na verdade, talvez me faltasse algo. E comecei a perceber que, algumas vezes, isso me colocava em situações de risco. Percebi que meus medos só se desenvolviam por causa de traumas ou coisas que havia experimentado. Mas havia pouca cautela em minhas ações, mesmo em situações que envolviam riscos comprovados.
Isso me fez entender que havia muitas coisas que não aprenderia se não sofresse as consequências e me fez entender o porque Deus permite que certas coisas aconteçam. Porém no meu caso coisas que às vezes eram óbvias como, não aperte a lâmina de gilete com os dedos porque vai cortar. E até hoje eu não me assusto com situações no trânsito como de um carro surgir do nada em sua frente. Há o lado bom de manter o controle mas também o lado ruim de não se precaver.
A partir dessa constatação e depois de passar por inúmeras situações que eu vi que foi só por Deus que eu fui salvo algo ficou claro para mim, de que eu precisava aprender com as experiências dos outros. E para mim não era algo que soava apenas como um conselho, mas era questão de sobrevivência, de vida ou morte. Pois vi claramente que eu corria riscos desnecessários. E o que me fez tomar essa atitude foi quando eu me dei conta que em algumas situações apesar de não correr risco de vida e me colocava em uma posição que corria o risco de perder um dos meus membros, como a mão, braço, perna… e pior, poderia colocar a vida de outras pessoas em risco junto com a minha, dependendo da situação. A partir da constatação dessa minha deficiência, da atuação do estado de alerta, eu comecei a prestar atenção nas histórias das pessoas e a procurar entender melhor os porquês para que eu pudesse entender as consequências.
Quando estava na minha adolescência indo para a fase adulta, essa tomada de decisão foi algo intuitivo e não entendia muito bem o porquê era assim, mas sabia que se não fosse assim eu não aprenderia até que fosse tarde demais. E só hoje eu entendi que eu tenho uma dificuldade e deficiência com minhas emoções. E isso me faz não sentir esse medo natural que fazem as pessoas serem precavidas e tomar decisões de auto preservação. Me faz não saber quando algo que digo pode machucar alguém. E foi estudando e observando intencionalmente que eu fui entendendo essas situações. Não me entendam errado. As emoções existem dentro de mim, mas digamos que eu tenho dificuldade em acessá-las. É como quando você se machuca sem saber. Aquele cortezinho que no fim do dia você se dá conta que tem, mas não faz ideia de como ou quando fez.
Mas estudar as emoções, em muitos casos, me ajudou a encontrar o caminho para acessá-las. As vezes sinto mas não sei o que são e por isso não sei como expressá-las. Por isso, para pessoas que têm muitas dificuldades assim como eu, os momentos de tristezas podem vir com sorriso ou brincadeiras por não saber como lidar com elas ou entender o que está sentindo. Pode parecer inapropriado mas também indica que é algo tão forte que essa pessoa, para não explodir, teve de jogar pra fora só que, como não sabe o que é esse sentimento, acaba liberando e expressando de um forma diferente que não é da forma como é esperado por todos. Eu mesma já tive alguns desses momentos e só quando eu fazia um exercício de revisitar o momento novamente eu me dava conta e perguntava o porque eu havia agido desse jeito.
Eu gostaria de frisar aqui que não é que eu não tenho sentimentos. Eu sinto, mas não é tão claro a identificação de como reagir a esse sentimento. Por vezes eu sentia o meu peito apertado mas não sabia que reação deveria ter a essa dor no peito. Parecia que algo estava comprimindo meu peito, mas eu não sabia o que fazer. Mas com o tempo eu aprendi que esse era o sentimento de tristeza e que o natural seria eu liberar isso e chorar.
E assim fui aprendendo a acessar esses sentimentos. Aprendi que mesmo não acessando os sentimentos, por eles existirem, eu sou passível de ter traumas. E que é necessário que eu pratique esse movimento de revisitar os acontecimentos e repensar sobre os momentos da minha vida para que eu aprenda com eles e para que me policie.
Para mim a vida não tem sido fácil. E as expectativas das pessoas são mais complicadas ainda. Às vezes eu fico cansado por ter de policiar as minhas reações. Mas por outro lado eu aprendi muito sobre o controle das emoções. Sobre ação e reação. Sobre sentimentos e traumas. E quanto mais aprendo mais sei o quanto eu pouco sei. E quando eu falo que o ser humano é complexo é porque, quanto mais estudo essa área, mais eu vejo a capacidade que temos de criar inúmeros mecanismos, que se misturam com autômatos e propositais, para que possamos sobreviver na sociedade que nos encontramos hoje. O problema que eu vejo é que muitas pessoas têm a tendência a ignorar a existência desse lado que age no nosso subconsciente, esse mecanismo é extremamente complexo, mas que é possível acessá-lo e trabalhar junto com ele uma vez que você admite a sua existência e toma a decisão de conhecê-lo melhor. Pois no fim das contas o subconsciente faz parte de mim e ele sou eu. E deixar de reconhecer esse lado é deixar de me autoconhecer e, indo mais a fundo, é na verdade deixar de aceitar quem eu realmente sou.